Riachinho das pedras
(Gabriel Guedez, Thamiris Chaves e Thobias Jacó)
Riachinho que brota entre as pedras,
do sereno da noite é amigo
em veredas rasinhas põe corpo
dão-lhe tempo e transforma o caminho
Riachinho que viu quem eu amo
dar-lhe o sal de suas lágrimas
e lavar a tristeza em seu rosto,
viu o sol lhe aquecer sobre as pedras
Deixa a lágrima dela chover,
não entrega a lágrima pro mar...
Riachinho que brota entre as pedras,
este sol fez um trato comigo:
vai levar de seu manto o lamento
e chover sonhos onde eu preciso
Índia Tuíra
(Thobias Jacó)
Nossa covardia ainda há de ser cara
a cara
com Tuíra e seu facão...
ao observarmos a morte
em silêncio à seremos
nos Belos Montes, nas covas fundas
Chicos e Mendes submergirão
fazendo inundar pelos olhos
tudo que evitamos ter visto:
o veneno, o velório,
só mais um genocídio
pra conta do homem
pra conta do vício
conforto, consumo,
excesso e desperdício
Haverá o tempo
da chuva lavar e curar
o corpo
do jenipapo bem negro
e do urucum vermelho,
a dançar no terreiro,
pintado pra guerra
Por sobre os campos há de se escutar
sobre os telhados de zinco
canto tupi guarani caiapó
mesmo onde só a dor vingou
Cantando pra america latina,
na voz o fôlego do mundo
o coro alegre ressuscitará
velhos sonhos moribundos
Tem que se crer:
Sempre haverá o olhar brilho de menino,
como a manhã, o entardecer
revoar de passarinho
hoje plantar, amanhã colher,
na sombra do saber antigo: “pra preservar,
pra sempre se ter, basta estar
em paz consigo e amar”
O Silêncio do Rio
(Gabriel Guedez, Thobias Jacó)
Água do rio foi cascata
No chão que a chuva encharcou
Foi mensageira entre as matas
E os mares que desaguou
Foi correnteza pesada
Gota de néctar de flor
Névoa de mil madrugadas
Água do rio que secou
Ê ê, ô ô... Água do rio que secou
Seiva de água cristalina
Mãe que nunca abandonou
Da ferrugem, concubina
Machado lhe assoreou
Nela a vida não germina mais
A ignorância barrou
Violentada e sem rima
Água do rio que secou
Ê ê, ô ô... Água do rio que secou
Quando secou, será
Que cada alma que cuida do rio
secou também?
Que toda honra dos homens mergulhou na lama
Que o nosso rastro é o rejeito amargo E que as manhãs deviam vir sem nós?
Água ainda escorre dos olhos Lembrança doce arrancou
Do povo que sofre a mágoa
Do leito que se manchou
Outro rio corre em seu veio
Aquele rio já passou
Amargurado eu ponteio
Sua aventura cessou
Ê ê, ô ô... Sua aventura cessou (3x)
Ê ê, ô ô... Água do rio que secou
Sentinela
(Gabriel Guedez)
Sentinela
Dorme a cidade sob o véu da noite
Horas passam, vida que se vai
Vida foi
Sobrevive
A passo lento, solto pelos dias
Sopra o vento, leva os teus metais
Vento foi
Sente o cheiro forte dessa estrada que hoje vai
Sente o gosto amargo do silêncio que te atrai
Ouve o teu relógio, atenta para os sinais
Hoje o seu lamento é o som de toda voz
Tempo foi
A cidade
Se encolhe ao medo de ser bem verdade
Tranca as portas, lacra os corações
Vida foi
Sente o cheiro forte dessa estrada que hoje vai
Sente o gosto amargo do silêncio que te atrai
Ouve o teu relógio, atenta para os sinais
Hoje o seu lamento é o som de toda voz
Do que depende o perdão?
(Thobias Jacó)
Se apruma e vem ver:
debaixo da sola
dos homens tangidos
teima em florescer;
entoa um viver fora de tempo
tá na seca e lonjura,
pra nos tempos de chuva
se fazer gota e ser mar...
esperança é um corpo com febre;
beira a morte, retorna ou se vai.
mas ensina à quem fica que é breve
nascente cuja foz em seu ventre
leva um dia de sol pra queimar
e se regenerar
Se apruma e vem ver:
debaixo da sola
dos homens tangidos
teima em florescer;
entoa um viver fora de tempo.
Tá na reza por cura,
tá na parca matula,
ela é negra e mulher...
esperança é um corpo com febre;
beira a morte, retorna ou se vai.
Mas ensina à quem fica que é breve
nascente cuja foz em seu ventre
leva um dia de sol pra queimar
e se regenerar
Descenderá de nós o perdão,
dependerá
de quem descenderá de nós.
o perdão dependerá de quê?
esperança
esperança
esperança
esperança
Terra Nossa
(Gabriel Guedez)
Lá no meio do caminho
habita a mata onde ele é rei
sendo nosso primeiro destino desse mundo tão mesquinho
onde o canto vem reinar.
Sob o nosso pé de meia
existe um chão que a gente fez sendo nossa terra por direito
de tirar do outro o sonho
do seu canto e do seu lar
Olha só que lindo o arranha-céu passarinho canta na gaiola enquanto essa gente chora derradeira solidão
Sonda cuitelinho
que eles tomam seu lugar
canta em seu silêncio a melodia que é a última do dia
e essa dor vai acabar.